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quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Laszlo Boloni elogia o Sporting

— Já deixou Portugal há quatro anos mas a sua imagem continua em alta. Ou seja, ficou a marca Boloni...

— Não me apercebo disso, francamente, mas sinto isso sim saudades de Portugal. Saudades das pessoas, com grande qualidade interior, de uma cultura que eu desconhecia, enfim, tive muita sorte naquela passagem da minha carreira.

— Aprendeu alguma coisa em Portugal?

— Aprendi o idioma (Boloni fala português com fluência certeira apesar de já não ter professor), aprendi a amar o fado. É curioso que, a propósito de fado, recebi uma carta muito bonita de uma fadista que sofre muito pelo Sporting, aquela que pinta o cabelo de verde. Maria José Valério. Fiquei muito sensibilizado com o seu gesto, conhecia-a quando começava a descobrir a vossa música.

— O fado é triste...

— É triste mas tem muito de belo e muito de Portugal, apela a uma introspecção incrível, é algo muito profundo.

— Para além dessa vivência cultural toda que lhe trouxe experiências enriquecedoras foi, não menos importante, campeão pelo Sporting.

— Foi uma sorte para mim conseguir explorar o meu trabalho daquela forma, o que obtivemos no Sporting foi algo de boa qualidade. Títulos, taças, lançamento de jovens jogadores, e também produção de dinheiro para apoiar financeiramente o clube. Foi fácil, havia uma secção de grande qualidade, trabalha-se bem no Sporting.

— Todavia, em visão mais global o futebol português não o surpreendia assim tão positivamente. Recorda-se quando em determinada fase afirmou que em Portugal o futebol era de terceiro nível?

— Recordo pois, disse-o porque achava que tinha de o dizer e, além disso era a verdade. Alguma coisa mudou entretanto. Portugal expandiu-se muito graças ao percurso da Selecção Nacional, a imagem dos estádios novos veio valorizar muito o campeonato, há também uma classe desportiva emergente que tenta fazer um trabalho diferente, os clubes têm tido mais coragem. Portugal é agora um país do futebol, não tenho dúvidas disso, mas ainda não se aproximou do topo, está um pouco longe de Espanha, Inglaterra, Itália, por exemplo. E também está um pouco distante do campeonato francês. Em França não há um FC Porto, um Sporting ou um Benfica, longe disso, mas o futebol francês ainda está à frente do português.

— O que o incomodava na altura para ter sido tão duro?

— Diversas coisas. Recordo-me por exemplo da primeira vez que fomos jogar contra o Gil Vicente, em Barcelos. Entrei no estádio e pensei para comigo: Meu Deus, é aqui? Aquilo era um quadradinho com os muros em cima do relvado. Hoje o Gil Vicente já tem um estádio harmonioso, ainda bem que assim é, pois precisava disso mesmo.

— Detectava falhas apenas no plano organizativo e logístico ou também técnico?

— Tecnicamente nunca houve qualquer problema com o futebol português. O estilo é distinto de França, onde trabalho agora, mas Portugal tem uma boa matriz. Quarenta por cento dos jogadores chegam do Brasil e isso fomenta uma agressividade suave, com mais toque de bola, joga, joga, joga... É um futebol atraente e nada cansativo.

— E no plano físico?

— No plano físico nada há a dizer, os jogadores portugueses estão em muito bom nível, tiro-lhes o chapéu. Inclusivamente os grandes talentos, como João Pinto, por exemplo, aplicam-se a fundo. O João tem qualidade notável, eu pensava que não precisaria de grande esforço durante os treinos mas acontecia precisamente o contrário. Grande profissional a tempo inteiro.

— Pedro Barbosa, por exemplo, também se aplicava nos treinos?

— Aplicava-se no seu ritmo. Era um óptimo profissional, fiquei contente com ele, a sua experiência foi determinante. Mas o Rui Jorge, nesse aspecto, foi o jogador mais inteligente que conheci.

— Então?

— Era incrível como ele, sem pé direito, com pouca rapidez e com jogo aéreo quase nulo, fosse tão bom. Grande carácter o dele.

— Como tem acompanhado a carreira de Paulo Bento enquanto treinador do Sporting?

— Não é uma surpresa para mim tê-lo visto chegar onde chegou. O Paulo era dedicado e jogava com inteligência de treinador, óptimos posicionamento em campo, capacidade de liderança, durante a sua carreira aprendeu muita coisa. Não sei se chegou cedo à equipa principal, isso nunca saberemos, mas já deve estar a perceber uma coisa: nesta nova actividade tem de ganhar.

— O dever de ganhar sempre deve representar pressão terrível para um treinador.

— Ele vai saber lidar com isso, tem espírito forte. Mas a pressão é de facto terrível e por vezes os dirigentes utilizam o treinador como explicação para o insucesso, isso acontece com certa frequência em Portugal. O que acontece é que por vezes a base não é sólida, porque antes de se ganhar tem de ter-se política desportiva correcta, definir-se onde se quer chegar e em quanto tempo. Só nessas bases pode desenvolver-se um bom trabalho. Ganhar todos querem, mas só com método isso se consegue, e apenas um consegue ganhar. Nos meus primeiros tempos do Sporting, difíceis, reconheço, ainda mal sabia dizer bom dia e já queriam despedir-me. Por vezes falta paciência para consolidar um bom trabalho.

— O Sporting teve a paciência que reclamava e você pagou com a descoberta de alguns talentos, como Cristiano Ronaldo ou Quaresma.

— Mas eu não os descobri. Eles estavam lá e tinham talento, eu tentei cultivá-lo. Aliás, era essa a política do clube, eles disseram-se que se ia tentar construir algo como base na formação, situação a justificar um pouco de coragem de todos os lados. Mas o Sporting tinha regras definidas e creio que me escolheu para as colocar em prática.

— Já nessa altura podia prever que talentos como Ronaldo, Hugo Viana ou Quaresma, a quem você chamou mustang, iriam chegar tão longe?

— Isso é algo que não se pode prever. Mas senti, em relação a Ronaldo, que se não fosse o Manchester United seria o Chelsea, se não fosse o Real Madrid era certamente o AC Milan. E também senti que ele e Quaresma iriam dar muitas alegrias à Selecção Nacional, ao povo português, porque o talento afirma-se mais tarde ou mais cedo.

— Na fase mais adiantada da sua carreira em Alvalade lançou Yannick Djaló, então com 16 anos. Ele parece despontar de vez agora.

— O que aconteceu com o Yannick foi curioso. Alguém me disse, em determinada fase da temporada, que havia mais um jogador na equipa B que podia interessar-me. Fui ver o jogo e vi aquele miúdo, pequenino mas com imensa qualidade, gostei dos seus movimentos. Depois disse aos responsáveis do clube: é aquele que eu quero.

— Yannick, portanto, não era o seu alvo.

— Não, na altura a indicação era para outro jogador.

— Depois disso surge a famosa história da Coca-Cola. Pagou realmente a aposta por ele ter marcado num jogo treino?

Paguei, claro, uma grade de Cola completa. Recordo-me que se ele perdesse a aposta tinha de pagar-me uma garrafa de champanhe. Mas eu não ia cobrar, como é evidente.

— E assim se ganhou um futuro grande jogador...

— Mas não foi apenas por isso, isso foi uma pequena parte da história. A certa altura Pedro Mil-Homens veio conversar comigo e pediu-me para falar com Yannick, que não ia bem na escola. Conversei com ele de forma clara, pedi-lhe para se aplicar nos estudos e se assim fosse a porta da equipa A estaria aberta. Mas aberta para os dois lados, da B para a A e da A para a B, como eu disse a todos os jogadores. Depois decidi apostar em Yannick. Certo dia testei-o, disse-lhe que talvez tivesse medo de jogar com profissionais e ele respondeu, ainda hoje me recordo: «Não tenho medo de ninguém!» Ele ainda está a crescer, tem um potencial incrível, pode ousar aproximar-se do valor de João Pinto.


Entrevista ao jornal 'A Bola'

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